sábado, 25 de outubro de 2014

IV - A EPIDEMIA EBOLA:
O DIAGNÓSTICO E O TRATAMENTO

Entenda um pouco sobre o diagnóstico e as formas de tratamento da doença considerada por muitos a mais devastadora já descoberta na história da humanidade.





“Por que tinha remédio para os dois americanos, mas não tem para gente, africanos?”
                  
 Mamadu Bah, trabalhador de um hotel em Freetown.



Há poucos dias, uma grande confusão se iniciou em Serra Leoa, quando uma equipe de médicos tentou tirar uma senhora de 90 anos, (com suspeita de estar infectada com Ebola), de sua residência e transferi-la para uma quarentena. Segundo um repórter correspondente da BBC, a primeira reação foi apresentada pelo filho da mulher, que se pôs a atirar pedras nos médicos.  Depois disso, outras pessoas da cidade, indignadas com a falta de locais e condições de tratamento, acabaram por aderir ao protesto e iniciaram um quebra-quebra no distrito de Kono, que se situa no leste de um dos países mais afetados pela epidemia do ebola no oeste da África, que no total, já matou 4500 pessoas.  Em reação à manifestação, a polícia abriu fogo contra a população e tentou, pela imposição de um toque de recolher, conter a revolta. 

Tais ações propiciaram que a equipe médica fugisse do local e se protegesse em um hospital próximo, no entanto, não mudou e nem muito menos atenuou, a realidade da indignação da população destes países, que está cansada de viver à margem do mundo capitalista e de, por muitos anos, (e ainda nos dias atuais), ser “deixada para morrer”, em uma luta contra um vírus muito perigoso, e forte demais, para o frágil sistema de saúde de que seus países dispõem.
A citação que inicia essa postagem, e a revolta popular em Serra Leoa, é uma prova real disso. A triste realidade é que o tratamento do Ebola ainda é ineficiente, que os hospitais estão superlotados e sem quase nenhuma infra-estrutura para o tratamento dos muitos doentes, (o que acaba ocasionando que pessoas morram ou de Ebola, ou da falta de atendimento a outras doenças tropicais), que as vacinas e estudos estão atrasados demais, e, como dizem muitos especialistas, talvez não fiquem prontas até o final deste surto, e que, mesmo os testes, são aplicados somente em americanos e europeus, como a da empresa americana Zmapp, que foi administrada a dois médicos americanos infectados, mas não o foi, nem no médico Umar Khan, um herói de Serra Leoa, que tratou cem doentes de Ebola, antes de morrer infectado, e nem muito menos nos outros africanos.
A postagem desta semana, em evidente sequência às três passadas que explicaram sobre a origem do Ebola, seus tipos, sintomas, formas de contágio, evolução, transmissão e prevenção, abordará agora aspectos gerais do tratamento desta doença, desde o diagnóstico, até a possível cura.




O diagnóstico

A grande dificuldade para se estabelecer um diagnóstico precoce da Febre Hemorrágica Ebola, é que no início, os sintomas podem ser confundidos com os de diversas outras enfermidades como gripe, dengue hemorrágica, malária e febre tifóide. Desta forma, além dos sintomas, outros fatores podem ser muito determinantes, como o levantamento da história do paciente, que serve muito a ponto de identificar se o mesmo esteve exposto a situações de risco (como por exemplo, se ele vive ou viajou para regiões onde a doença se manifesta em surtos, como na África subsaariana), o resultado de testes sorológicos (Elisa IgM, PCR), e uma análise de sangue para detectar a presença de anticorpos, de DNA do vírus, ou do próprio vírus,  que são fundamentais para determinar o agente e a causa da infecção.
Diante da possibilidade de alguém estar contaminado com o Ebola, o mesmo deve ser mantido em isolamento ou quarentena, e os serviços de saúde devem, obrigatoriamente, receber uma notificação.

O atual tratamento

O vírus Ebola, possui cepas infecciosas que podem provocar febre hemorrágica severa, e que em estágios avançados, leva a sangramentos de olhos, ouvidos, nariz, boca e reto. Ele infecta adultos e crianças sem distinção, é transmitido aproximadamente para 17 outras pessoas, a cada grupo de 10 infectados, e uma de suas cepas, o Zaire, é um dos vírus mais mortais conhecidos, e que mata em até 90% dos casos.




Atualmente, não existe um tratamento específico e nem muito menos uma vacina para o Ebola (um tratamento chamado de siRNAs tem uma alta taxa de sucesso, mas apenas se administrado minutos após a infecção), e a verdade, é que o único recurso terapêutico contra a infecção, é oferecer medidas de suporte, contenção e cuidados paliativos, na tentativa de amenizar os muitos sintomas da doença, como reposição de fluidos e eletrólitos, hidratação venosa, controle da dor, da pressão arterial, da febre, dos níveis de oxigenação do sangue, e prevenção e o tratamento de complicações que possam surgir.
Existem dois centros de referência no Brasil, ambos no sudeste, que se mostram preparados pra receber e tratar pacientes infectados pelo Ebola: o Hospital Emílio Ribas, em São Paulo e o Fiocruz, no Rio de Janeiro.

O que diz a OMS

Marie Paule Kieny, a representante da OMS, confirmou que um novo tipo de tratamento chegará à África em breve e de que novos remédios estejam disponíveis para uso em janeiro de 2015. Tal notícia refere-se ao recém-descoberto “serum”, que é feito a partir de amostras de sangue de pessoas curadas do Ebola. A ideia consiste no fato de que o sangue de quem sobreviveu ao vírus teria anticorpos capazes de combater o mesmo, e por isso, tem-se esperança que ao aplicar esses anticorpos em pacientes, os mesmos poderiam ser auxiliados na luta contra o vírus.
Em outras declarações, a organização defendeu que no Reino Unido e nos Estados Unidos, testes de segurança para duas vacinas experimentais estavam sendo realizados, e que seriam expandidos em breve, para dez locais na África, Europa e América do Norte.



Proteínas na luta contra o Ebola

Um novo estudo, publicado na Science Translation Medicine, realizado por uma equipe de pesquisadores canadenses, usando um vírus 7U que continha aproximadamente 80% da população natural, mostrou que um tratamento combinado de proteínas e anticorpos eficientes na luta contra vírus, associado a interferon vetorizado e adenovírus (uma proteína que ajuda a ativar o sistema imunológico e é preparada com material viral), evitou a morte de alguns primatas infectados com o Ebola-Zaire, a cepa mais perigosa do Ebola, mesmo que a administração do medicamento tivesse se dado três dias após a infecção, já quando os primeiros sintomas começavam a aparecer. O estudo se baseia em trabalhos anteriores na área, e usa um medicamento feito a partir de três anticorpos de ratos.



A partir deste estudo, pode-se concluir que os anticorpos podem controlar o modo de replicação do vírus Ebola e, o mais crucial: que combinados, também poderiam ampliar o tempo pra o tratamento da doença, revelando que talvez, o medicamento para Ebola poderia se resumir a uma combinação dos tratamentos mais promissores – como tratamentos de HIV. O próximo passo da equipe de pesquisadores será trabalhar com um novo grupo de anticorpos, em busca de um coquetel que estenda um pouco mais a janela de tempo.

Nota de fim de post...

No tempo em que levei para escrever esta postagem, o que se deu em aproximadamente seis horas, é provável, segundo as estatísticas da ONG Save the Children, que em Serra Leoa, mais 30 pessoas tenham sido diagnosticadas com Ebola, e que muitas crianças tenham morrido à míngua pelas ruas africanas, ou mesmo em casa, sem nunca serem contabilizadas no número total de vítimas, (que mesmo sem elas, já é absurdamente alarmante), e tenham provavelmente, por causa justamente da falta de atendimento e informação, infectado seus parentes mais próximos, e contribuído ainda mais para a saturação extrema do sistema de saúde dos países africanos atingidos (mais sobre isso será tratado nas postagens seguintes).
É preciso, urgentemente, que as pesquisas focadas no vírus Ebola, tanto as citadas nesta postagem, como as demais, recebam financiamentos e concluam o mais rápido possível. É preciso, como já defendi anteriormente, que os países se mobilizem, e que os povos atingidos recebam doações, médicos, aparelhos e materiais de segurança. E é preciso, por fim, que a OMS cumpra a previsão e que em janeiro próximo, a vacina já venha a ser ministrada nas áreas afetadas.
Resta, porém, a grande questão: Quantos mais morrerão até lá?





Em breve...
Sobre o Ebola, muitas perguntas podem surgir:
Qual a população mais atingida? Quais países sofrem a epidemia atual? O que é MSF e quais os riscos dos profissionais da saúde que trabalham com o Ebola? Tem Ebola no Brasil? O Ebola seria um grandioso embuste? Quais as relações entre a doença e a sociedade africana? Como se dá a Bioquímica do Ebola?
Esses são alguns dos assuntos que serão trabalhados nas próximas semanas.
Até. 


Referências:




<http://drauziovarella.com.br/destaque2/ebola/> Acesso em 25 de outubro de 2014.

<http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0042-96862000001200019&lng=pt&nrm=iso>  Acesso em 25 de outubro de 2014.


<http://www1.folha.uol.com.br/colunas/patriciacamposmello/2014/08/1503672-por-que-estou-aqui.shtml>  Acesso em 25 de outubro de 2014.

sábado, 18 de outubro de 2014

III - A EPIDEMIA EBOLA: A TRANSMISSÃO

Entenda um pouco sobre as formas de transmissão e prevenção da doença considerada por muitos a mais devastadora já descoberta na história da humanidade.







“Eu estava coletando amostras de sangue de pacientes. Nós não tínhamos equipamentos de proteção suficientes e eu desenvolvi os mesmo sintomas. No dia 19 de novembro de 2007, recebi a confirmação do laboratório. Eu havia contraído Ebola”.

Kiiza Isaac, enfermeiro ugandense.



Nos últimos meses, o vírus Ebola tem ganhado as manchetes em todo o mundo.
A doença, que antes era negligenciada pelos países mais ricos e indústrias farmacêuticas, por atingir somente a África, e matar só pobres, negros, assolados pelas guerras e pela fome, (e que por sua condição, são, por mais cruel e desumano que pareça, invisíveis ao frio mundo capitalista), agora, toma uma nova proporção na medida em que, possibilitada pela maior globalização e, consequentemente, mobilidade, em que vivemos nos dias atuais, tem o potencial de causar uma enorme catástrofe, em vários lugares do mundo.
Sobre este fato, duas terríveis verdades sobrevivem: A primeira é que o Ebola foi descoberto em 1976, e desde esse tempo, nunca algo de efetivo foi feito para curar os muitos que morriam à míngua e sem a ajuda dos demais (se as indústrias farmacêuticas podem lucrar com Viagra e remédios de colesterol, porque se preocupariam em curar as pobres vítimas do Ebola?!), e a segunda, é que muito provavelmente, uma vacina ou droga eficiente, não será descoberta antes do fim desta crise. E a consequência é que a única saída do povo atingido é lutar bravamente contra a transmissão, evitando que os doentes infectem suas famílias (que os escondem em casa por medo dos hospitais), e que os enfermeiros, como Kiisa Isaac, e os médicos que atendem esses doentes, sejam acometidos do vírus.
Neste viés, essa postagem se deterá a explicar as formas de transmissão do ebola, e tentará propor medidas de prevenção deste mal, que há tantos anos, tem levado à morte, milhares de pessoas.



Transmitindo a Morte

Os vírus são agentes infecciosos constituídos por proteínas e ácido nucléico, sem organização celular e que parasitam células de todos os tipos, desde fungos, bactérias, e plantas, até animais. Além de produzirem doenças muitas vezes sérias em seres humanos, como o Ebola, o HIV, e a AIDS, os vírus também causam prejuízos comercias, ao atacarem animais e plantas de interesse financeiro ao ser humano.
O vírus Ebola, que é o foco primordial deste blog, pode ser contraído pelo ser humano, como já explicado em postagens anteriores, a partir de humanos e animais, e, embora perigoso, não pode ser transmitido pelo ar, mas tão somente através de fluidos corporais de seres infectados, como catarro, sêmen, secreção das partes íntimas, fluidos do espirro, saliva, suor, vômito, fezes e sangue, tanto pelo contato direto com os doentes, como após a exposição a objetos, como por exemplo, seringas, contaminadas.
Entretanto, ao contrário do que boa parte das pessoas pensa, o Ebola não pode ser transmitido até que apareçam os sintomas, sendo, desta forma, improvável que o mesmo se transmita entre passageiros de um espaço confinado como um avião ou um trem, mas sim, que as mais prováveis contaminações aconteçam com as pessoas que convivem com aqueles que já padecem da doença, como profissionais de saúde, (como é o caso do enfermeiro citado nesta postagem), e principalmente, familiares: pais, filhos e cônjuges do enfermo, que correm risco tanto ao tentar manter o doente em casa, (em decorrência da cultura ou mesmo da superlotação dos hospitais que já não suportam atender tantos infectados), como na tentativa de levar seu ente querido ao hospital, situação em que acabam contaminando a si e aos demais, já que, por deficiência do serviço de saúde de distritos afetados como, por exemplo, Kailahum, (que mesmo sendo a região de Serra Leoa mais afetada pelo Ebola, possui apenas 4 ambulâncias para atender 480 mil pessoas), são levados a transportar seus parentes contaminados em meios de transporte públicos.



*Equipe de saúde transportando paciente de Ebola.


Os cuidados e precauções com vítimas do Ebola também não devem ser cessados nem após a cura, e incrivelmente, nem após a morte do doente.
Há indícios de que, pelo menos até sete semanas depois de recuperados, os homens ainda podem transmitir o vírus através do sêmen, e também, que pessoas que tiverem contato com os mortos infectados, durante os preparativos de um  funeral, por exemplo, ainda podem ser contaminadas (mais sobre os costumes africanos serão trabalhados nas próximas postagens).

"As pessoas que morreram de Ebola devem ser enterradas rapidamente e de forma segura", destacou a OMS.

Além de tudo isso, ainda existe um pequeno risco de contágio por meio de objetos e superfícies contaminadas, que pode ser explicado pelo fato de que o vírus Ebola sobrevive em superfícies secas, como maçanetas, por exemplo, por várias horas. 

Prevenção

Quando se trata de aproximar-se de pacientes com caso confirmado de Ebola ou com suspeita de possuir a doença, não só os profissionais da saúde, mas todas as pessoas, são obrigadas a proteger-se. Por isso, para terminar a postagem desta semana, eu trouxe uma lista selecionada de algumas medidas que podem ser aplicadas como forma de prevenção da doença, e que, consequentemente, se fossem informadas à população afetada de forma consistente, com trabalho e apoio dos demais países, proporcionariam uma diminuição da disseminação da doença, e uma queda significativa no número de mortes. Claro que somente isso, não resolveria o problema. É preciso de investimento em infraestrutura necessária para curar os doentes, comprar materiais e proteger os profissionais de saúde. É preciso que o mundo pesquise a cura para doença, e que os países em conjunto, busquem soluções. É preciso, como a jornalista Patrícia Melo, defendeu em seus textos, que a África receba doações e que o mundo saiba o que realmente está acontecendo.
Mas tomaria o mundo rico este papel e se importariam realmente as indústrias farmacêuticas com os que morrem na África?


Medidas Preventivas - Ebola

1.                   Lavar as mãos com frequência com água e sabão, ou, se não for possível, esfregá-las com álcool gel;

2.                  Procurar não frequentar lugares que facilitem a exposição ao vírus Ebola, como áreas afetadas (como Nigéria, Guiné Conacri, Serra Leoa e Libéria), países que possuem fronteira com países afetados, e também locais públicos com grandes concentrações de pessoas, como mercados.

3.                   Evitar contato com pessoas infectadas, principalmente quando a doença tiver em estado avançado. Lembre-se: quanto mais avançada a doença, maior a concentração de vírus e mais fácil o contágio;

4.                  Usar, sempre que for lidar com pacientes, vestimentas de proteção, como luvas e máscaras descartáveis, botas de borracha, macacões, aventais, e protetores oculares, e não se esquecer de desinfetar todo o material depois do uso.

5.                   Ter cuidados extremos no uso e no descarte de agulhas e seringas, sem nunca, em hipótese alguma, reutilizá-las.

6.                  Esterilizar instrumentos médicos metálicos que serão reaproveitados.


7.                  Só comer alimentos exóticos de que se conheça a procedência, e, no caso de moradores da região, evitar comer carnes de “caças” ou morcegos, que são os hospedeiros naturais do Ebola (leia mais sobre isso na postagem 2). Evitar comer frutas mordiscadas, já que pode conter saliva de animais infectados.


8.                  Lembrar que um paciente falecido continua oferecendo risco de contágio mesmo depois da morte.

9.                  Não tocar nos fluidos corporais de um infectado. 

10.               Queimar todas as roupas da pessoa que morreu por causa do Ebola.





Em breve...
Sobre o Ebola, muitas perguntas podem surgir:
Qual a população mais atingida? Quais países sofrem a epidemia atual? Existe tratamento? Como ele se dá? O que é MSF e quais os riscos dos profissionais da saúde que trabalham com o Ebola? É possível a cura total?  Tem Ebola no Brasil? O Ebola seria um grandioso embuste? Quais as relações entre a doença e a sociedade africana? Como se dá a Bioquímica do Ebola?
Esses são alguns dos assuntos que serão trabalhados nas próximas semanas.
Até.



Referências:

VOET, D.; VOET, J.G.; PRATT, C.W. Fundamentos de bioquímica: a vida em nível molecular . 2ª ed. Porto Alegre: Artmed.2008.




<http://drauziovarella.com.br/letras/e/ebola/> acesso em 17 de outubro de 2014.


<http://www.tuasaude.com/virus-ebola/> acesso em 17 de outubro de 2014.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014


II – A EPIDEMIA EBOLA:
O CONTÁGIO INICIAL

Entenda um pouco sobre as formas de contaminação a partir de animais, e a respeito da doença considerada por muitos a mais devastadora já descoberta na história da humanidade.







"Em 1347, atingiu Constantinopla e Gênova e logo toda a Europa, de Portugal e da Irlanda a Moscou. As devastações da 'morte negra' estenderam-se pelos anos 1348-1351, eliminando, assegura Froissart, 'a terça parte do mundo'"
                                                                                 DELUMEAU, 1998, p. 107



Nos últimos meses, o mundo tem sido abalado pelo recente surto de uma doença que desde a década de 70, mata em massa a população de muitos países africanos. A epidemia do vírus Ebola ilustra a extrema patogenicidade de alguns vírus, que produzem uma doença com andamento rápido e de alta mortalidade. Entretanto, mesmo com tais características, o mesmo vinha sendo negligenciado e ignorado pelas nações mais poderosas e corporações farmacêuticas, e só agora, visto à possibilidade de um maior alastramento e contaminação de áreas ricas, passa a ser posto em um foco mais central nas mídias e pesquisas em todo o mundo. 
O grande medo, obviamente, é que o Ebola seja o novo algoz, que poderia provocar óbitos em massa na população do mundo inteiro, como outras doenças viróticas antes dele, o fizeram, como por exemplo, a terrível Peste Negra (doença a que se refere o texto de Delumeau, que inicia esta postagem), que é oriunda dos ratos, e transmitida ao homem através da picada de mosquitos, e fez, em meados do século XIV, milhões de vítimas. O que a peste negra e o Ebola tem em comum? Ambas são produzidas por microorganismos que tendem a evoluir em estágios, podendo tornar-se com o tempo, mais fáceis de se transmitir e prejudicar mais o ser humano, e ambas, curiosamente, são oriundas de animais.



A peste Negra 

No que concerne a tudo isso, e à forma de disseminação de doenças, como a peste negra e o Ebola, uma pergunta toma o lugar principal:  Como se dá o contágio do ser humano a partir dos animais? Que outras doenças foram orignadas de animais? Quem são os portadores naturais do vírus Ebola?


As doenças que vêm de animais

Nos últimos 11 mil anos, surgiu a grande parte das doenças infecciosas que conhecemos, sendo destas, a maioria proveniente de outros animais. Essa condição deriva principalmente da característica do homem de domesticação de outras espécies, do desenvolvimento da agricultura, (que possibilitou o aumento da densidade populacional, necessário para a formação de uma epidemia), e, mais recentemente, da expansão das terras agrícolas em áreas selvagens, que colocou animais de criação em contato com espécies selvagens, garantindo terreno propício para a transmissão de doenças. 

Das 25 doenças infecciosas que historicamente causaram alta mortalidade em seres humanos, é possível que a maioria tenha sido contraída de animais, como por exemplo, o sarampo, caxumba, coqueluche, rotavírus, varíola, tuberculose, praga, tifo, cólera, e três famosas doenças derivadas de macacos selvagens, que são: a malária, a febre amarela e a AIDS (que é causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) - representado na figura abaixo).



O estudo destes vírus tem trazido muitos ganhos para a Bioquímica, como diz Lehninger, em seu livro “Princípios de Bioquímica”:

“A Bioquímica tem ganho enormemente com o estudo dos vírus, que tem fornecido informação nova sobre a estrutura do genoma, os mecanismos enzimáticos da síntese dos ácidos nucléicos e de proteínas e a regulação do fluxo”.


Os estágios da contaminação

Neste viés, a transmissão de uma doença, obedece a estágios definidos, e que, antes significam a propriedade de afetar ou não diferentes espécies, ou seja, o sucesso da transmissão, do que a gravidade da doença em si. Para entender o funcionamento do Ebola, é preciso, primeiramente, entender como funciona os ciclos de transmissão. Segue-se a seguir, um resumo dos cinco estágios:

No estágio 1, o micróbio está em animais e não 
infecta humanos (Alguns tipos de Malária só são contraídas em acidentes em laboratórios, com agulhas contaminadas). 
No estágio 2, temos a raiva, por exemplo, que pode, em condições normais, infectar o homem, mas não origina um ciclo de contaminação entre humanos. 
O vírus Ebola, está na atualidade, no estágio 3, e nele, o micróbio pode passar para o ser humano, e ocasionar ciclo de transmissão entre humanos, que entretanto não se mantém, sozinho.
No estágio 4, a doença tem um ciclo silvático, (de animais para humanos), mas também pode circular apenas entre humanos. 
E por fim, no estágio 5, o patógeno é exclusivamente humano, como no caso da Sífilis.



Os portadores e transmissores

Naturalmente, o hospedeiro natural do vírus Ebola é o morcego frugívoro, que não adoece e pode carregar o ebola consigo até o fim da vida, e infectar outros animais através, por exemplo, de frutas mordiscadas. Entretanto, como declarou a Organização Mundial da Saúde, têm sido documentadas na África, suspeitas de infecção, que podem acontecer no contato com chimpanzés, gorilas, macacos, antílopes e porcos-espinhos infectados, que foram encontrados mortos na floresta tropical.
Devido à forma de contaminação, que se dá somente pelo contato com secreções do corpo, (embora evidências ainda não conclusivas apontem que o vírus Ebola pode ser transmitido através do ar a partir de primatas não humanos para primatas não humanos), os moradores destas áreas devem, além de evitar o contato com os mesmos, não se alimentar de animais silvestres crus.



*Note na imagem acima, a característica do Ebola como um vírus de estágio 3.


Entretanto, tais medidas são dificultadas pela forma de vida das populações mais pobres da África, que habitam aldeias e tem modos de vida distintos como contato direto com a selva, e principalmente pela falta de informação das pessoas atingidas, como bem retrata a repórter Patrícia Campos Mello, em seu artigo sobre "a terra que o mundo esqueceu":
"Todo mundo aqui está em pânico. Ninguém sabe bem como pega, como se prevenir."
Algumas recomendações da OMS, englobam este primeiro contágio, e consistem, no caso de suspeitas de um surto em uma fazenda de porcos ou macacos, em colocar toda a estrutura imediatamente em quarentena, sacrificando logo em seguida, os animais infectados, sempre tomando o cuidado de supervisionar de perto o enterro ou a incineração das carcaças.



O surgimento de grandes doenças

Ainda no ano passado, a agência alimentar das Nações Unidas alertou que 70 % das doenças que infectaram humanos nas últimas décadas, têm origem animal. A globalização e as mudanças climáticas estão redistribuindo patógenos, hospedeiros e vetores, e, neste contexto, a contaminação por animais é uma grande preocupação, o que se agrava cada vez mais com o aumento dos riscos de segurança alimentar, e principalmente, de resistência aos antibióticos. É preciso, urgentemente, lidar com a natureza como um todo, nos aspectos da saúde humana, animal e do ecossistema, procurando inibir os condutores de surgimento, persistência e propagação de doenças, medida muito mais sensata, que lutar com as mesmas quando já começam a atingir os seres humanos, e, como no caso do Ebola, a matar milhares de pessoas.






Em breve...
Sobre o Ebola, muitas perguntas podem surgir:
Como se dá a transmissão da doença entre humanos? Qual a população mais atingida? Quais países sofrem a epidemia atual? Existe tratamento? Como ele se dá? O que é MSF e quais os riscos dos profissionais da saúde que trabalham com o Ebola? É possível a cura total? Quais as formas de impedir que a Epidemia se espalhe? Tem Ebola no Brasil? O Ebola seria um grandioso embuste? Quais as relações entre a doença e a sociedade africana? Como se dá a Bioquímica do Ebola?
Esses são alguns dos assuntos que serão trabalhados nas próximas semanas.
Até.




Referências

Wolfe, N., Dunavan, C., & Diamond, J. (2007). Origins of major human infectious diseases Nature, 447 (7142), 279-283 DOI: 10.1038/nature05775 (pdf)

NELSON, D. L.; COX, M. Lehninger – Princípios de Bioquímica. 3ed. São Paulo: Sarvier, 2002.


<http://www.suapesquisa.com/o_que_e/epidemia.htm> acesso em 08 de outubro de 2014.