sábado, 6 de dezembro de 2014

X - A EPIDEMIA EBOLA:

DO COMEÇO AO FIM:
SOBREVIVÊNCIA, CURA E ESPERANÇA

Entenda um pouco sobre o vírus causador da doença considerada por muitos a mais devastadora já descoberta na história da humanidade.





“A Libéria está dividida por uma cerca dupla laranja. Ela foi construída para manter a doença sob controle, para nos separar (os saudáveis, os privilegiados) deles (os doentes, os necessitados). Construímos a cerca para nos sentirmos menos mortais”.
Ane Fjeldsæter, Psicóloga, 31 anos




O vírus Ebola começa a se disseminar em meio às células do fígado, pulmão, tecido linfático e baço, causando danos significativos e as tão temidas hemorragias, que lhe são estigmas, e que já tiveram suas causas explicadas em postagens anteriores. Logo aparecem os primeiros sintomas, e ainda aí, devido a todo um mecanismo bioquímico eficiente, o sistema imunológico atingido não tem noção de que está sob ataque. Munido das proteínas e glicoproteínas próprias, o Ebola instala-se eficientemente, burlando nossas defesas de forma engenhosa (leia mais sobre os aspectos bioquímicos das doenças nas postagens 6, 7 e 8), e começando a agir através de uma febre alta e repentina, dores musculares e na cabeça, inflamação dos olhos, perturbações cerebrais, e em demais órgãos, diarréia, vômito, dificuldade para respirar, erupções na pele, e muitos outros sintomas já discutidos, que se seguem em uma longa lista, que torna o doente debilitado, fraco,   e principalmente, o priva do carinho, e toque dos demais. Depois, como já se sabe, seguem-se as hemorragias internas e externas, e a partir deste ponto o Ebola torna-se mais sombrio, tanto pela rapidez com que se instala, como pelo sofrimento que provoca. O nariz, a boca, e os olhos sangram, o cérebro começa a ser destruído, convulsões epilépticas tem mais chance de ocorrer, a superfície da língua se desfaz, assim como o revestimento da traquéia e da garganta, os rins sofrem perdas funcionais, o fígado incha, a pessoa passa a vomitar sangue, com pedaços do intestino, e então, a morte enfim chega, quase que como em resposta e dotada de certa piedade, frente ao sofrimento.



Entretanto, mesmo diante de tudo isso, há chances de cura, que derivam de uma luta veemente contra a morte, vivenciada por pessoas que moram em países africanos assolados pela fome e miséria, e com um atendimento médico precário e ineficiente, que felizmente, diante da crise de Ebola deste ano, tem ganhado apoio internacional de instituições, como o MSF, (Médicos Sem Fronteiras), que mesmo em meio a um mundo frio, luta incessantemente para sanar esta Epidemia. 
Sim, o Ebola é um vírus muito letal, que mata, em média, 6 em cada 10 pacientes infectados, e é verdade que já levou 4000 vidas e continua sendo uma enorme preocupação em todo o mundo É verdade que a epidemia já levou mais de 4 mil vidas e continua sendo uma enorme preocupação, mas há chances de sobrevivência, e mais: pessoas que conseguem alcançar a cura, e a partir daí, inspiram a recuperação de pacientes, e dão força para os profissionais de saúde continuarem lutando, e chegam até, em alguns casos, a voltar aos centros de tratamento, e, como forma de agradecimento por terem sido salvos, trabalham em prol da vida de outras pessoas. 


Hoje, na última postagem deste blog, depois de comentar bastante a respeito do vírus Ebola, (descobrimento da doença, sintomas, contágio, tratamento, sociedade africana, e muita bioquímica, dentre outros diversos temas), iremos discutir um pouco sobre a cura desta doença, sobre a sobrevivência e a esperança, e sobre todo o trabalho humanitário que muitas instituições têm realizado, tendo tais palavras como base.



Ebola: A cura

Como já foi demonstrado em postagens, anteriores, o Ebola possui mecanismos bioquímicos importantes que lhe dão a garantia de burlar o sistema imunológico e atingir o organismo humano. Como não existem medicamentos ou vacinas, a cura da doença depende apenas do sistema imune de cada paciente, e da ajuda médica oferecida. Há, entretanto, maior chances de sobrevivência caso o paciente esteja bem nutrido e possua um organismo resistente, (o que infelizmente não é uma realidade muito comum entre a maioria dos africanos e que os torna mais vulneráveis a qualquer doença). Não existe remédio específico para curar o Ebola, mas o uso de alguns medicamentos têm causado efeito positivo na cura desta doença, na medida em que agem eliminando o vírus do organismo. Um bom exemplo é o ZMapp, que contém anticorpos capazes de destruir o vírus, e tem obtido alguns bons resultados na cura de macacos, e em um grupo pequeno de teste com pessoas, que ainda está em fase de andamento.



O procedimento médico de tratar o vírus Ebola, consiste talvez mais em cuidar do que em curar.  A equipe de saúde tenta manter o paciente confortável, administra medicamentos que controlam as dores, a febre e vômitos, promovem hidratação para repor a perda de líquidos, e em um tratamento que chega a durar um mês, tenta manter o doente isolado durante a batalha do sistema imunológico do paciente contra o vírus. Depois de algumas semanas, quando o paciente já está evoluindo para a cura, aparecem alguns sinais de melhora, como a redução dos vômitos e diarréias, a recuperação do estado de consciência, a diminuição da febre, e a diminuição do sangramento pelos olhos, boca e nariz. Geralmente, após o tratamento e a cura, o paciente, ainda fica de quarenta para garantir que o vírus Ebola foi realmente eliminado de seu organismo. E mesmo na certeza da cura, como já foi debatido anteriormente, o vírus ainda pode ser transmitido por contato sexual através do sêmen.
Em geral, os sinais de piora do Ebola e os sintomas mais severos aparecem uma semana após a infecção, com manifestações diversas que podem incluir de problemas renais e no fígado, até o coma.





Médicos Sem Fronteiras

A organização MSF surgiu quando jovens médicos e jornalistas que no fim dos anos 60, em Biafra, na Nigéria, socorriam as vítimas de uma guerra civil brutal, perceberam a necessidade de melhora na ajuda humanitária e observaram a dificuldade de acesso ao local, e todas as barreiras políticas e burocráticas, que os faziam calar-se de diante de coisa horríveis. Diante disso, foi fundada uma organização humanitária, que associa ajuda médica e sensibilização da população sobre o sofrimento dos pacientes que atendem, de modo a expor ao mundo, situações que não podem e não devem permanecer negligenciadas.  O MSF leva assistência e cuidados preventivos a todo aquele que precisa de ajuda, independentemente do país, principalmente em situações críticas, e em casos de extrema urgência, como Epidemias, em que a mesma chega a fornecer água, saneamento, abrigos e alimentos, mas atua também em situações em que há problemas sérios na oferta de serviços gratuitos pra populações sem recursos financeiros.
A MSF é independente, neutra e imparcial, e escolhe, onde, como e quando agir, de acordo com sua própria avaliação. Sua ajuda pode ser disponibilidade entre 48 e 72 horas em casos de catástrofe natural, e essa agilidade é decorrente de uma lógica extremamente eficiente iniciada em 1980, no qual a organização utiliza kits pré-embalados, adaptados e personalizados para cada contexto, contendo medicamentos, suprimentos e equipamentos básicos.



A Organização Médicos Sem Fronteiras também procura sensibilizar e pressionar, juntamente a pacientes, órgãos, instituições internacionais e a indústria farmacêutica, em prol dos direitos e para que as pessoas mais pobres possam possuir medicamentos de qualidade.
Em 1999, MSF recebeu o Prêmio Nobel da Paz.

Histórias de Sobrevivência e esperança

Sobreviver ao Ebola representa vencer uma luta grandiosa contra um inimigo de armamento bioquímico adaptado, e que ataca o organismo com brutalidade.
No meio das muitas mortes, e das quatro mil vítimas desta doença, algumas histórias de vitória surgem, e são motivação para o tratamento e cura dos demais. Como é o caso do garoto Mamadee, de 11 anos, que foi admitido ao centro de tratamento de Ebola em Foya, na Libéria, no dia 15 de agosto, foi diagnosticado, se recuperou, em 19 dias de tratamento, e alegrou a todos os médicos e enfermeiros com uma dança de alegria tão inebriante e incansável que mal se podia acreditar que aquele mesmo menino tinha sido portador de uma doença tão perigosa.


Mamadee, exibindo seu certificado de cura.

A história de sobrevivência se repete também com Hawa, de 19 anos, que nasceu em Shegbwema, Serra Leoa, e foi infectada quando uma amostra do sangue de seu sogro espirrou sobre ela. Os sintomas haviam aparecido uma semana depois do contato, e começaram com dores de cabeça e febre. Hawa ficou no centro de tratamento por três semanas e só então, ganhou alta. Seu marido, entretanto, continuou no centro, tentando sobreviver a infecção, como conta a jovem:

 “Agora eu estou bem, estou forte. Quero ver minha filha, estou pronta para ver meu bebê. Eu sinto a falta dela, e sei que não há nada de errado com ela. Meu marido ficará em minha mente e em meu coração”.


Hawa, reencontrando sua filha.

Mais uma história comovente aconteceu com Jattu, seu marido e sua filha de dois anos, Rosaline, que foram diagnosticados com Ebola em uma das regiões mais afetadas do distrito de Kailahum, de nome Daru.
Após um funeral, o marido começou a se sentir mal (em postagens anteriores já foram debatidas as grandes taxas de infecção durante os mesmos), e, dias depois, Jattu e Rosaline também adoeceram. A família chegou ao centro de tratamento, com a Jattu muito doente, e com chances ínfimas de sobreviver. Felizmente, para surpresa e motivação da equipe médica, todos os três se recuperaram.



Jattu e sua filha

Essas histórias de superação englobam também Ezekial, que no centro de tratamento Elwa 3, pulou de alegria ao ser liberado, e comemorou dizendo: “Vou jogar futebol hoje mesmo”, e também o menino Patrick, cuja história comovente levou uma Psicóloga, Ane Fjeldsæter, de 31 anos, que saiu da Noruega para trabalhar com MSF em Monróvia, a escrever sobre seu trabalho com pacientes com Ebola (o texto completo poderá ser encontrado nas referências):

“A Libéria está dividida por uma cerca dupla laranja. Ela foi construída para manter a doença sob controle, para nos separar (os saudáveis, os privilegiados) deles (os doentes, os necessitados). Construímos a cerca para nos sentirmos menos mortais. E a fizemos com o nobre propósito da barreira sanitária. Patrick está no interior da cerca; eu, do lado de fora. Eu o vejo todos os dias e nós sorrimos e acenamos um para o outro. Ele é apenas uma criança, mas está brincando com meninos cinco vezes mais velhos, como se estivesse tentando compensar o fato de ser jovem demais para morrer. Eles jogam dama e pôquer, quando têm energia, e escutam a BBC Africa pelo rádio que eu trouxe um dia na minha roupa de “invasora espacial”. Patrick tem um sorriso torto, tímido, e um hematoma perto do olho direito. Acaba de perder sua mãe, mas seu pai está com ele neste lugar horrível. Todo dia eu digo a mim mesma: Ane, não perca o seu coração para esta criança que logo não estará mais entre os vivos. Ele está aqui por uma semana e, então, terá partido para sempre. Como você vai fazer o seu trabalho quando ele se for? Você não sabe com o que está lidando?”

Patrick também sobreviveu. E como ele, muitos outros doentes de Ebola, venceram a doença. Tais histórias trazem muito mais que incentivo, muito mais que alegria: elas trazem esperança. Nos centros de tratamento, muitos dos ex-pacientes retornam para ajudar os demais, e mostrar que a cura é possível, e assim, com luta e perseverança o povo africano pouco a pouco vai vencendo a luta contra o vírus Ebola.


Ezekial



Patrick e seu pai



Conclusão

O Ebola, durante sua Epidemia, abalou profundamente os países afetados. Influenciou a política, as relações entre os países, o sistema de saúde africano, causou impactos econômicos em Guiné, Libéria e Serra Leoa, nos quais multinacionais pouco a pouco encerram seus negócios, frente à ameaça do surto (A empresa Caterpillar, de máquinas e motores, retirou funcionários, a Canadian Overseas Petroleum Ltd, interrompeu um projeto de perfuração, e a British Airways, cancelou voos para a região),  e  cujos cálculos, preveem um grande défict orçamentário, na luta contra doença.
Diante disso, vê-se quão importante se torna a ajuda de instituições com a MSF, quão necessária é ajuda internacional, e qual a proporção desta guerra contra o Ebola, que as populações agora, com muita raça, felizmente,  estão começando a vencer.
E irão vencer.



Referências:

<http://www.msf.org.br/o-que-fazemos> Acesso em 06 de dezembro de 2014.




<http://www.msf.org.br/fotos/sobreviventes-do-ebola> Acesso em 06 de dezembro de 2014.

sábado, 29 de novembro de 2014

IX - A EPIDEMIA EBOLA:
VÍRUS EBOLA: O SEGREDO DO SUCESSO

Entenda um pouco sobre o vírus causador da doença considerada por muitos a mais devastadora já descoberta na história da humanidade.




"Nós não somos os hospedeiros naturais do vírus Ebola, que não evolui em nós."
(Tradução do autor do blog,  da frase original em inglês)

Vincent Racaniello,
Columbia University's Medical School



Muita coisa tem se falado sobre o vírus Ebola nos últimos meses, e muito do que preenche o conhecimento da população sobre esta doença está ligado ao seu potencial mortífero, às inúmeras vítimas, aos países africanos atingidos, e aos sintomas terríveis, dentre eles, o vazamento de sangue pelos poros, o mais temível e conhecido.

Entretanto há pessoas que conseguem fazer dinheiro com uma versão do vírus Ebola muito mais bonita e consideravelmente menos perigosa que, embora pareça estranha a primeira vista, fez um enorme sucesso de vendas nos Estados Unidos e esgotou rapidamente o estoque. Você daria para o seu filho um belo ursinho de pelúcia do vírus Ebola? 
Por mais que pareça estranho e totalmente inesperado, a réplica da doença que já matou mais de 4.500 pessoas no mundo todo, de acordo com a OMS, está fazendo um enorme sucesso. 
A empresa Giant Microbes, que se destaca produzindo diversos micróbios de pelúcia, relata sobre este assunto por meio do depoimento de sua gerente Carol Allam:
“Nós temos o boneco do ebola há anos, mas agora todo mundo está procurando um. Vendemos milhares nos últimos meses. Estão esgotados. Acho que é porque eles são muito parecidos com os de verdade. Se você olhar em um microscópio, verá que a forma do vírus é igual à do boneco”.

O objetivo da empresa seria criar algo que fosse educativo, e não apenas um brinquedo, e que de forma lúdica, fizesse com que as pessoas pudessem interagir, por exemplo, com o vírus da Aids, com a Pneumonia, a Rubéola, o Botulismo e etc. (O Ebola e alguns outros da coleção estão nas fotos abaixo, sendo o último - na foto isolada, e de cor preta - o vírus da Aids), aprendendo durante este processo (alguns vírus ganham características das doenças com as quais se relacionam, como por exemplo a gripe suína, que tem nariz de porco). 
Das réplicas do famoso vírus Ebola (que tanto tem sido foco das reportagens deste ano), só sobraram doze exemplares de 60 cm, que aguardam uma possível nova produção.





Durante todas as nossas postagens temos tentado decifrar este pequeno organismo, que é o vírus Ebola de modo a entender o seu mecanismo de ação, partindo dos tipos, sintomas que provoca no organismo, modo de contágio e, mais recentemente, decifrando o aparelho bioquímico. Entretanto, o vírus Ebola não é tão simples e fácil de lidar como a bela e cômica réplica que inicia esta postagem, e nessa semana, mais uma vez, tentaremos entender como se dá diversos processos, principalmente de cópia e evolução do vírus, e mais: citar as características próprias que o tornam tão especial.


Quem sou eu? O vírus Ebola.

O Ebola é um vírus RNA, da família Filoviridae e do gênero Filovirus, altamente infeccioso e mortal, que tem cerca de 19 mil bases de comprimento, sete genes (a maioria dos quais codificam proteínas que constituirão a estrutura do mesmo), estrutura básica e filamentosa, e  potencial epidêmico médio em relação a outras grandes doenças. Possui, (como já foi discutido em postagens anteriores), cinco formas reconhecidas, que variam entre si na sequência de bases dos RNAs e em aspectos sorológicos, e que recebem o nome do local onde foram descobertas primeiramente, (Bundibugyo, Costa do Marfim, Reston, Sudão e Zaire), sendo que destes, quatro causaram o surto, já que, embora o Reston possa infectar humanos, nenhuma enfermidade ou morte foi relatada. O Ebola está no estágio 3 de contaminação, no qual, como foi discutido na segunda postagem, o micróbio pode passar para o ser humano, e ocasionar ciclo de transmissão entre humanos, que entretanto não se mantém sozinho.



O vírus está presente em altas quantidades nos fluidos corporais que vazam de vários tecidos nas pessoas que estão morrendo da infecção, e o resultado mais direto e consequente, é que as pessoas com maior risco de novas infecções são aquelas que se importam com os mais doentes ou aqueles que lidam com os corpos dos parentes falecidos, (ou mesmo que dos que são deixados para trás), ainda, que o vírus possa ser também transmitido por menor contato, embora que mais dificilmente.
A transmissão do vírus Ebola se torna mais fácil apenas depois que os pacientes começam a perder líquidos em grandes volumes, e este momento corresponde justamente àquele em que o paciente necessita de mais cuidados, o que acaba expondo a um alto risco os médicos, outros profissionais de saúde, familiares, e amigos próximos, que chegam a ter 80% de chance de contrair a doença.
Mesmo que seja um vírus altamente mortal e tenha provocado uma grande número de óbitos no prolongado surto atual, o Ebola não é eficiente em espalhar infecções. O surto vem acontecendo desde dezembro do ano passado e só agora viu a infecção 10000, o que é pouco, comparado a uma cepa de gripe, que no mesmo tempo, provocou muitas mais mortes a nível mundial, em taxa de infecção de 10-15% da população das áreas afetadas.  
Ainda assim, o Ebola possui uma forma de disseminação eficaz, que encontrou seu jeito de atacar a saúde humana. Vincent Racaniello, da Universidade de Columbia University's Medical School, defende que nós não somos os hospedeiros naturais do vírus e que o mesmo não evolui em nós (embora sofra pequenas adaptações, que acabam se perdendo), de forma que cada surto que já ocorreu foi uma inteiramente nova transferência de um vírus para os seres humanos.


A rota do Ebola e a possibilidade da evolução

Mesmo que ainda existam grandes incertezas a respeito de como o Ebola faz seu caminho para os seres humanos, as evidências sugerem que o reservatório natural seja o morcego, o qual poderia transmitir a doença aos humanos através de frutas mordicadas, ou mesmo, ao servir de alimento.



Entretanto, caso o vírus Ebola consiga continuar circulando em hospedeiros, tal realidade de transmissão pode mudar na medida em que o mesmo tem o potencial de se submeter a uma adaptação significativa, já que as Polimerases de RNA que o vírus utiliza para duplicar seu genoma são propensas a gerar novas mutações, devido a erros na cópia do vírus, e à ausência de uma função chamada revisão (que geralmente cabe a enzima responsável pelo processo da cópia, que pode, por exemplo, reconhecer erros na sequência das bases, fazer backup e tentar novamente). Sem revisão, a enzima do Ebola não pode tomar outra decisão, senão deixar o erro no lugar e seguir em frente, resultando em uma taxa de falha, de 1 para cada 10000 bases. Lembre-se que, como foi dito no item anterior, o Ebola possui 19 mil bases, o que significa que todo vírus, dentre os milhares que são produzidos por uma célula infectada, é suscetível de conter pelo menos uma mutação.
Em certa medida, os vírus tendem a se adaptar aos seus hospedeiros, de forma a mantê-los vivos por mais tempo, para servirem como um maior grupo potencial de fábrica de vírus, (tipo de coisa que o Ebola ainda não consegue fazer), ou ainda evoluir de forma a se espalhar de modo mais eficiente.
Tem-se tido grande preocupação de que este último evento acontecesse primeiro, e o vírus Ebola conseguisse ser transmitido através de partículas do ar, mas essa possibilidade, embora perigosa, é de pouca probabilidade, devido a este evento de evolução ser extremamente raro.

Próximas descobertas?

Os vírus de febre hemorrágica têm atraído a atenção da comunidade científica há varias décadas, sendo o Ebola, a mais recente grande preocupação, devido ao surto que vem matando em massa a população africana. Apesar dos esforços que se tem feito, (muito tardios, diga-se de passagem), um tratamento realmente eficaz ainda precisa ser descoberto e as vacinas, submetidas a testes significativos.
Como já foi debatido desde a primeira postagem, parte da dificuldade e da falta de progresso em relação às pesquisas com o Ebola é decorrente da negligência das indústrias farmacêuticas e centros de pesquisas, (que não veem na doença uma forma de lucro ou mesmo ameaça), mas outro grande obstáculo se encontra também na própria natureza mortal do vírus Ebola, que dificulta em grande parte as pesquisas, na medida em que se precisa trabalhar com ele, em BSL-4, em relação ao nível de biossegurança, (lugares especializados esses que só existem em número de 20 nos EUA e não muito mais do que isso no restante do mundo), o que acarreta menor progresso em relação ao vírus da gripe, sarampo, ou poliomielite, por exemplo.
Enquanto não se investir mais nas descobertas citadas acima, ou na construção de mais laboratórios especializados, ou mesmo no direcionamento maior das pesquisas para o Ebola, este surto dificilmente poderá ser parado antes que mais e mais pessoas morram.




Em breve...
Sobre o Ebola, muitas perguntas podem surgir:
O que é MSF e quais os riscos dos profissionais da saúde que trabalham com o Ebola? É possível a cura total?  Tem Ebola no Brasil? O Ebola seria um grandioso embuste? Qual a Bioquímica do Ebola?
Esses são alguns dos assuntos que serão trabalhados nas próximas semanas.
Até.

Referências:

<http://evunix.uevora.pt/~sinogas/TRABALHOS/2000/virol00_Ebola.htm> Acesso em 28 de novembro de 2014.

<http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2014/08/1507520-sequenciamento-do-genoma-do-ebola-revela-como-virus-cruzou-fronteira.shtml> Acesso em 29 de novembro de 2014.

<http://arstechnica.com/science/2014/11/understanding-the-ebola-virus/> Acesso em 29 de novembro de 2014.

<http://extra.globo.com/noticias/mundo/ebola-de-pelucia-faz-sucesso-nos-estados-unidos-14346283.html> Acesso em 29 de novembro de 2014.
Postagem Extra da Semana




Boa Noite. 
Antes de publicar a postagem desta semana, faremos uma rápida retrospectiva dos conceitos estudados nas postagens passadas e que serão necessários para o entendimento geral da Bioquímica do vírus Ebola, de forma que, resumidamente, possamos relembrar as proteínas e efeitos discutidos.

Interferon - Também conhecido como interferona. É uma substância produzida pelas células do organismo dos animais vertebrados e alguns invertebrados, que tem a finalidade de defender o corpo contra agentes externos, tais como vírus, fungos, células neoplásicas e bactérias, produzindo uma resistência antiviral em células teciduais que não foram infectadas. Ele liga-se à membrana dessas células, e ativa o gene que codifica as proteínas antivirais. 

KPNA5 - Faz parte de um subconjunto de transportadores nucleares conhecidos como carioferinas alfa (KPNA, na sigla em inglês), cujo trabalho, é fazer a comunicação entre as células, como um mensageiro, transmitindo sinais e carregando todo tipo de mensagens do núcleo celular para outras partes da célula, ou vice-versa, que acabam por controlar várias funções do organismo, incluindo nossas respostas imunes.

STAT1 – Proteína que em decorrência da invasão do organismo é transportada para o núcleo, onde inicia a ativação dos genes de centenas de proteínas antivirais.

VP24 – Proteína do Ebola que rouba o lugar destinado ao fator imunológico, fazendo com que o KPNA5 perca a capacidade de transportar STAT1, e a proteína não consiga alcançar o núcleo celular, e ativar assim, a produção de Interferona. Assim o vírus Ebola desabilita o sinal antiviral celular intrínseco, facilitando a sua replicação, sem impacto no transporte normal de carga celular.

Tempestade de citocina - Efeito que consiste basicamente na produção exacerbada de citocinas, classe a qual pertence a Interferona, e que pode resultar em uma resposta violenta e mortal.

VP35 – Proteína do ebola que trabalha para suavizar a imunidade, ligando-se e inativando proteínas envolvidas nesta resposta, além de bloquear o reconhecido do RNA de cadeia dupla, que são um aviso de uma infecção viral. O VP35 lida com sua tarefa através de uma rota muito simples: se liga ao RNA de cadeia dupla, e o esconde assim, do sistema imune. Em parte em consequência disso, e também em decorrência da ação do VP 24, o sistema imune inato não desencadeia a produção de moléculas de sinalização e defesa, e assim, o vírus pode se instalar e se reproduzir.

Glicoproteína do Ebola – Única parte que normalmente se estende a partir da membrana e consiste na principal coisa que o sistema imunológico vê, sendo, portanto, ligada à capacidade de reconhecimento dos anticorpos dos pacientes que sobreviveram à infecção. É o que realmente mata as células, por atuar no bloqueio das mesmas, impedindo-as de colocar novas proteínas na sua superfície, o que acarreta uma perda de contato com as células vizinhas, e limita a capacidade de informar o sistema imune sobre o que está acontecendo.

Fácil, né?
Agora é só seguir em frente, que ainda temos algumas coisas a discutir nas postagens 9 e 10.

Até.

sábado, 22 de novembro de 2014

VIII - A EPIDEMIA EBOLA:
GENOMA, GLICOPROTEÍNAS E MORTE

Entenda um pouco sobre os princípios bioquímicos da doença considerada por muitos a mais devastadora já descoberta na história da humanidade.





“Ebola happens to have a protein that antagonizes innate immunity, and most viruses must have one of those, so it's not really unusual. The innate response is so powerful that, if a virus doesn't have something to counter it, it's going to be wiped out pretty quickly."

Vincent Racaniello, Columbia University's Medical School


Apesar dos receios do público, do medo mundial, e do que diz a mídia sensacionalista, sabe-se muita coisa sobre o Ebola e suas atividades, e tal conhecimento nos diz muito sobre as perspectivas para tratamentos e vacinas. Com um genoma constituído por um único filamento linear de RNA, que tem cerca de 19 mil bases de comprimento, o vírus Ebola contém apenas sete genes, a maioria dos quais codificam proteínas que constituirão a estrutura do mesmo (Para efeito de comparação, um vírus típico de herpes é mais de 10 vezes maior e leva mais de 35 genes). As partículas filovirais (grupo a qual faz parte o Ebola, já discutido na postagem 1), são morfologicamente muito semelhantes às partículas rabdovirais, sendo entretanto muito mais compridas, com uma estrutura básica longa e filamentosa, essencialmente baciliforme, com forma de U, b ou mesmo formas circulares, podendo atingir até 14,000 nm de comprimento, e tendo em média 80 nm de diâmetro (Mais sobre as características já foram discutidas em postagens anteriores).



Nesta semana, em sequência às postagens 6 e 7, vamos mais uma vez, explorar o universo bioquímico do vírus Ebola, e mais: Entender como sua estrutura o torna capacitado a invadir o nosso organismo e provocar a tão temível doença.



VP35 e o Sistema Imunológico


Além do VP24, já discutido na postagem passada, (para mais informações leia a postagem número 7), o vírus Ebola possui outra proteína muito intrigante chamada VP35, que funciona para ajudar o Vírus a combater a resposta imunitária do nosso organismo.
O sistema imunológico do corpo é composto por duas partes que funcionam cooperativamente. Uma delas, a imunidade adquirida, envolve anticorpos e outros receptores especializados que reconhecem agentes infecciosos específicos, sendo uma das razões do funcionamento das vacinas. Entretanto tal processo de defesa é demorado quando não se conhece o patógeno invasor, e dessa forma, para ajudar a proteger o corpo naquele ponto da infecção, as células contam com o chamado sistema imunológico inato, que não é específico, mas reconhece características comuns a muitos patógenos, como açúcares ou lipídios feitos por bactérias, e produz uma resposta tão poderosa, que elimina um vírus muito rapidamente se o mesmo não tiver algo para combatê-la (o comentário que inicia esta postagem se refere a este fato).
No caso do Ebola, a proteína VP35 faz várias coisas para suavizar a imunidade, ligando-se e inativando proteínas envolvidas nesta resposta, além de bloquear o reconhecido do RNA de cadeia dupla, que embora seja uma parte necessária na replicação dos vírus, não são normalmente produzidos nas células humanas, constituindo, portanto, um aviso de uma infecção viral. Segundo recentes pesquisas, o VP35 lida com sua tarefa através de uma rota muito simples: se liga ao RNA de cadeia dupla, e o esconde assim, do sistema imune. Em parte em consequência disso, e também em decorrência da ação do VP 24, o sistema imune inato não desencadeia a produção de moléculas de sinalização e defesa, e assim, o vírus pode se instalar e se reproduzir.




A glicoproteína Ebola e o tratamento

Outra substância extremamente importante ao vírus Ebola é uma glicoproteína (com o "glico" referindo-se ao fato de que é normalmente ligado aos açúcares em seu caminho para a superfície da membrana), que o auxilia a entrar nas células. Sendo a única parte que normalmente se estende a partir da membrana e, portanto, a principal coisa que o sistema imunológico vê, essa glicoproteína é ligada à capacidade de reconhecimento dos anticorpos dos pacientes que sobreviveram à infecção Ebola, que tendo como alvo essa substância do vírus, poderia ajudar no reconhecimento do invasor pelo sistema imunológico, além de impedir fisicamente o “engate” sobre as células, limitando as probabilidades de novas infecções.
Por este motivo, os esforços para desenvolver uma vacina para o vírus, e os tratamentos experimentais realizados recentemente, têm se baseado neste princípio, com os últimos consistindo no uso de um conjunto de anticorpos que têm como alvo a glicoproteína, e a prevenção, em pesquisas que consistem em produzir algo que possa expor esta glicoproteína ao sistema de defesa do corpo humano, usando-se de proteínas ou vírus inofensivos.
Há evidências de que a glicoproteína é o que realmente mata as células, por atuar no bloqueio das mesmas, impedindo-as de colocar novas proteínas na sua superfície, o que acarreta uma perda de contato com as células vizinhas, e limita a capacidade de informar o sistema imune sobre o que está acontecendo.
Outros estudos sugerem que este efeito é dependente do nível de quantidade dessa substância, que só atuaria dessa forma, em quantidades elevadas no organismo.

Visão aprofundada dos sintomas



Como já foi discutido nesta postagem e em textos passados, o vírus Ebola ataca inicialmente as células imunitárias, que em consequência disso, podem começar a expressar moléculas de sinalização imune de forma indiscriminada, levando à febre e mal-estar que são alguns dos primeiros sintomas da infecção. Outro problema causado pela infecção destas células é que eles são móveis, e a medida que atravessam a corrente sanguínea, têm o potencial de espalhar a infecção para novos locais, ajudando a transição do vírus, e na infecção das células endoteliais (que revestem os vasos sanguíneos), e são os alvos favoritos do Ebola. Assim que o vírus ataca as células das paredes dos vasos, os mesmos perdem sua integridade e começam a vazar, resultando nos sintomas clássicos das febres hemorrágicas: como a acumulação de fluidos derramados dos vasos sanguíneos (Edemas), hemorragias, além da ação descontrolada dos macrófagos infectados, que podem, por sua vez, agravar ainda mais a situação.

Conclusão

Entender o modo de ação do vírus Ebola é uma grande base no que diz respeito as pesquisas em busca de um tratamento mais eficaz e que possa erradicar a epidemia que aflige atualmente o mundo, como foi visto na postagem passada, e reiterado nesta, na medida em que a descoberta das glicoproteínas do Ebola e a sua relação com os anticorpos dos pacientes curados, abrem as portas para a produção de vacinas e hipóteses para tratamentos.
Sobre a “visão aprofundada dos sintomas” apresentada acima, é importante ressaltar que embora os efeitos mais cruéis e característicos do Ebola, decorram dos problemas que este vírus provoca nos sistemas circulatório e do sistema imunológico, que o direcionamento generalizado de células, acaba levando o mesmo a afetar diversos outros tecidos, e provocar, como já vimos anteriormente, os mais variados sintomas, e a consequente morte, caso a doença não receba tratamento adequado.





Em breve...
Sobre o Ebola, muitas perguntas podem surgir:
O que é MSF e quais os riscos dos profissionais da saúde que trabalham com o Ebola? É possível a cura total?  Tem Ebola no Brasil? O Ebola seria um grandioso embuste? Qual a Bioquímica do Ebola?
Esses são alguns dos assuntos que serão trabalhados nas próximas semanas.
Até.


Referências:

<http://evunix.uevora.pt/~sinogas/TRABALHOS/2000/virol00_Ebola.htm> Acesso em 22 de novembro de 2014.


<http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2014/08/1507520-sequenciamento-do-genoma-do-ebola-revela-como-virus-cruzou-fronteira.shtml>  Acesso em 21 de novembro de 2014.

<http://arstechnica.com/science/2014/11/understanding-the-ebola-virus/> Acesso em 21 de novembro de 2014.