II – A EPIDEMIA EBOLA:
O CONTÁGIO INICIAL
Entenda um pouco sobre as formas de contaminação a partir de animais, e a respeito da doença considerada por muitos a mais devastadora já descoberta na história da humanidade.
"Em 1347, atingiu Constantinopla e Gênova e logo toda a Europa, de Portugal e da Irlanda a Moscou. As devastações da 'morte negra' estenderam-se pelos anos 1348-1351, eliminando, assegura Froissart, 'a terça parte do mundo'"
DELUMEAU, 1998, p. 107
Nos últimos meses, o mundo tem sido abalado pelo recente surto de uma doença que desde a década de 70, mata em massa a população de muitos países africanos. A epidemia do vírus Ebola ilustra a extrema patogenicidade de alguns vírus, que produzem uma doença com andamento rápido e de alta mortalidade. Entretanto, mesmo com tais características, o mesmo vinha sendo negligenciado e ignorado pelas nações mais poderosas e corporações farmacêuticas, e só agora, visto à possibilidade de um maior alastramento e contaminação de áreas ricas, passa a ser posto em um foco mais central nas mídias e pesquisas em todo o mundo.
O grande medo, obviamente, é que o Ebola seja o novo algoz, que poderia provocar óbitos em massa na população do mundo inteiro, como outras doenças viróticas antes dele, o fizeram, como por exemplo, a terrível Peste Negra (doença a que se refere o texto de Delumeau, que inicia esta postagem), que é oriunda dos ratos, e transmitida ao homem através da picada de mosquitos, e fez, em meados do século XIV, milhões de vítimas. O que a peste negra e o Ebola tem em comum? Ambas são produzidas por microorganismos que tendem a evoluir em estágios, podendo tornar-se com o tempo, mais fáceis de se transmitir e prejudicar mais o ser humano, e ambas, curiosamente, são oriundas de animais.
O grande medo, obviamente, é que o Ebola seja o novo algoz, que poderia provocar óbitos em massa na população do mundo inteiro, como outras doenças viróticas antes dele, o fizeram, como por exemplo, a terrível Peste Negra
A peste Negra
No que concerne a tudo isso, e à forma de disseminação de doenças, como a peste negra e o Ebola, uma pergunta toma o lugar principal: Como se dá o contágio do ser humano a partir dos animais? Que outras doenças foram orignadas de animais? Quem são os portadores naturais do vírus Ebola?
As doenças que vêm de animais
Nos últimos 11 mil anos, surgiu a grande parte das doenças infecciosas que conhecemos, sendo destas, a maioria proveniente de outros animais. Essa condição deriva principalmente da característica do homem de domesticação de outras espécies, do desenvolvimento da agricultura, (que possibilitou o aumento da densidade populacional, necessário para a formação de uma epidemia), e, mais recentemente, da expansão das terras agrícolas em áreas selvagens, que colocou animais de criação em contato com espécies selvagens, garantindo terreno propício para a transmissão de doenças.
Das 25 doenças infecciosas que historicamente causaram alta mortalidade em seres humanos, é possível que a maioria tenha sido contraída de animais, como por exemplo, o sarampo, caxumba, coqueluche, rotavírus, varíola, tuberculose, praga, tifo, cólera, e três famosas doenças derivadas de macacos selvagens, que são: a malária, a febre amarela e a AIDS (que é causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) - representado na figura abaixo).
O estudo destes vírus tem trazido muitos ganhos para a Bioquímica, como diz Lehninger, em seu livro “Princípios de Bioquímica”:
“A Bioquímica tem ganho enormemente com o estudo dos vírus, que tem fornecido informação nova sobre a estrutura do genoma, os mecanismos enzimáticos da síntese dos ácidos nucléicos e de proteínas e a regulação do fluxo”.
Os estágios da contaminação
Neste viés, a transmissão de uma doença, obedece a estágios definidos, e que, antes significam a propriedade de afetar ou não diferentes espécies, ou seja, o sucesso da transmissão, do que a gravidade da doença em si. Para entender o funcionamento do Ebola, é preciso, primeiramente, entender como funciona os ciclos de transmissão. Segue-se a seguir, um resumo dos cinco estágios:
No estágio 1, o micróbio está em animais e não
infecta humanos (Alguns tipos de Malária só são contraídas em acidentes em laboratórios, com agulhas contaminadas).
No estágio 2, temos a raiva, por exemplo, que pode, em condições normais, infectar o homem, mas não origina um ciclo de contaminação entre humanos.

infecta humanos (Alguns tipos de Malária só são contraídas em acidentes em laboratórios, com agulhas contaminadas).
No estágio 2, temos a raiva, por exemplo, que pode, em condições normais, infectar o homem, mas não origina um ciclo de contaminação entre humanos.
O vírus Ebola, está na atualidade, no estágio 3, e nele, o micróbio pode passar para o ser humano, e ocasionar ciclo de transmissão entre humanos, que entretanto não se mantém, sozinho.
No estágio 4, a doença tem um ciclo silvático, (de animais para humanos), mas também pode circular apenas entre humanos.
E por fim, no estágio 5, o patógeno é exclusivamente humano, como no caso da Sífilis.
E por fim, no estágio 5, o patógeno é exclusivamente humano, como no caso da Sífilis.
Os portadores e transmissores
Naturalmente, o hospedeiro natural do vírus Ebola é o morcego frugívoro, que não adoece e pode carregar o ebola consigo até o fim da vida, e infectar outros animais através, por exemplo, de frutas mordiscadas. Entretanto, como declarou a Organização Mundial da Saúde, têm sido documentadas na África, suspeitas de infecção, que podem acontecer no contato com chimpanzés, gorilas, macacos, antílopes e porcos-espinhos infectados, que foram encontrados mortos na floresta tropical.
Devido à forma de contaminação, que se dá somente pelo contato com secreções do corpo, (embora evidências ainda não conclusivas apontem que o vírus Ebola pode ser transmitido através do ar a partir de primatas não humanos para primatas não humanos), os moradores destas áreas devem, além de evitar o contato com os mesmos, não se alimentar de animais silvestres crus.
*Note na imagem acima, a característica do Ebola como um vírus de estágio 3.
Entretanto, tais medidas são dificultadas pela forma de vida das populações mais pobres da África, que habitam aldeias e tem modos de vida distintos como contato direto com a selva, e principalmente pela falta de informação das pessoas atingidas, como bem retrata a repórter Patrícia Campos Mello, em seu artigo sobre "a terra que o mundo esqueceu":
"Todo mundo aqui está em pânico. Ninguém sabe bem como pega, como se prevenir."
Algumas recomendações da OMS, englobam este primeiro contágio, e consistem, no caso de suspeitas de um surto em uma fazenda de porcos ou macacos, em colocar toda a estrutura imediatamente em quarentena, sacrificando logo em seguida, os animais infectados, sempre tomando o cuidado de supervisionar de perto o enterro ou a incineração das carcaças.
O surgimento de grandes doenças
Ainda no ano passado, a agência alimentar das Nações Unidas alertou que 70 % das doenças que infectaram humanos nas últimas décadas, têm origem animal. A globalização e as mudanças climáticas estão redistribuindo patógenos, hospedeiros e vetores, e, neste contexto, a contaminação por animais é uma grande preocupação, o que se agrava cada vez mais com o aumento dos riscos de segurança alimentar, e principalmente, de resistência aos antibióticos. É preciso, urgentemente, lidar com a natureza como um todo, nos aspectos da saúde humana, animal e do ecossistema, procurando inibir os condutores de surgimento, persistência e propagação de doenças, medida muito mais sensata, que lutar com as mesmas quando já começam a atingir os seres humanos, e, como no caso do Ebola, a matar milhares de pessoas.
Em breve...
Sobre o Ebola, muitas perguntas podem surgir:
Como se dá a transmissão da doença entre humanos? Qual a população mais atingida? Quais países sofrem a epidemia atual? Existe tratamento? Como ele se dá? O que é MSF e quais os riscos dos profissionais da saúde que trabalham com o Ebola? É possível a cura total? Quais as formas de impedir que a Epidemia se espalhe? Tem Ebola no Brasil? O Ebola seria um grandioso embuste? Quais as relações entre a doença e a sociedade africana? Como se dá a Bioquímica do Ebola?
Esses são alguns dos assuntos que serão trabalhados nas próximas semanas.
Até.
Referências
Wolfe, N., Dunavan, C., & Diamond, J. (2007). Origins of major human infectious diseases Nature, 447 (7142), 279-283 DOI: 10.1038/nature05775 (pdf)
NELSON, D. L.; COX, M. Lehninger – Princípios de Bioquímica. 3ed. São Paulo: Sarvier, 2002.
<http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/08/por-que-o-ebola-e-um-dos-virus-mais-mortais-mundo-2.html> acesso em 08 de outubro de 2014.
<http://www.onu.org.br/cerca-de-70-de-novas-doencas-que-infectam-seres-humanos-tem-origem-animal-alerta-onu/> acesso em 08 de outubro de 2014.
<http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL1168654-5603,00-ANIMAIS+DOMESTICOS+SAO+FONTE+DE+GRANDE+PARTE+DAS+DOENCAS+HUMANAS.html> acesso em 08 de outubro de 2014.
Achei a postagem muito esclarecedora no que diz respeito à classificação do ebola quanto ao estágio de contaminação, além de saber que o vírus da doença se localiza naturalmente em morcegos frutívoros. Muitos dos vírus e microorganismos que habitam naturalmente em animais e são totalmente ou quase inofensivos a eles, no organismo humano causam doenças muito graves. Contudo, é válido lembrar que o contrário também ocorre: existem agentes patógenos que causam poucos danos aos seres humanos mas são prejudiciais ao animais (como a larva migrans, que em geral não causa muitos prejuízos às pessoas,mas se torna parasita no trato intestinal de cães e gatos). Assim, é de fundamental importância discutir como lidar com essas doenças no convívio diário com os animais, de forma a evitar a proliferação dessas patologias no contexto do mundo globalizado.
ResponderExcluirComo foi bem destacado no texto a principal forma de contaminação entre humanos é o contato com secreções e fluidos das pessoas infectadas. Acho muito importante ressaltar o quanto a influência de costumes se enquadra nessa situação. O texto mostra que a forma de vida dos africanos interfere negativamente na tomada de medidas de prevenção estabelecidas pelos profissionais de saúde.Na África são comuns os rituais de morte que se realizam ao longo de vários dias, que implicam a lavagem do corpo potenciando o contágio dos familiares que contactam com os fluidos corporais do morto. Na Libéria, os padres dizem que o ebola é um castigo de Deus aos homossexuais e promovem missas, contrariando as recomendações de não juntar muitas pessoas num mesmo local. Nesse contexto percebemos que uma posição dos profissionais de saúde deve ser tomada também em relação a como lidar com uma cultura tão diferente, este talvez poderia ser um ponto a ser abordado no blog. Aguardo as próximas postagens para me informar mais sobre este assunto que é de suma importância para a sociedade em geral.
ResponderExcluirA transmissão do Ebola, na África, é facilitada pelas condições sócio-econômicas e culturais dos países desse continente. A maioria desses países são de pobreza extrema, em que a população pouco recebe atenção dos serviços de saúde, principalmente quanto ao esclarecimento quanto à doenças como o Ebola, que são muito carentes, por isso nessa região é relevante a atuação dos médicos sem fronteira e da cruz vermelha no sentido de reduzir o desconhecimento populacional quanto a prevenção de doenças. No entanto, esses grupos de saúde ainda sofrem resistência de parcela dos africanos, principalmente os de área rural, que muitas vezes os culpam pela epidemia, como mostra a seguinte matéria da Revista Galileu: http://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Saude/noticia/2014/08/epidemia-de-ebola-e-agravada-por-panico-e-habitos-culturais-da-africa-ocidental.html. Além disso é comum, principalmente entre as aldeias na África, associar o Ebola a uma maldição e não, uma enfermidade, o que constata a desinformação dos habitantes quanto a prevenção dessa doença, como mostra a repórter Patrícia Campos Mello, em seu artigo “ a terra que o mundo esqueceu”, em que o post faz referência. Assim, o texto foi esclarecedor, por expor uma das explicações mais concretas para a epidemia do Ebola, que é o descaso das autoridades no que se refere às medidas preventivas para combater a doença.
ResponderExcluirGostei muito da postagem e de conhecer mais sobre o ebola e seus estágios de contaminação. Vale ressaltar que um dos principais motivos para o ebola ter se propagado na Africa são os hábitos que eles tem com os funerais. Os mesmos são prolongados com o culto ao corpo obedecendo a rituais e os virus são altamente transmissíveis algum tempo após a morte
ResponderExcluirpelo cadáver, isso inclusive é uma das maiores preocupações dos Estados Unidos, a propagação.
Em reportagem recente da CNN, foi constatado alterações em atestados de óbitos de pacientes infectados pelo ebola. As familias estavam
subornando profissionais de saúde para que pudessem realizar seus rituais
funerarios, portanto, é uma preocupação de extrema relevância. Por esse motivo, faz parte do protocolo de segurança, fazer a cremação dos corpos contaminados o mais precoce possível. Logo é muito importante uma discussão sobre como lidar com essas culturas diversas, para evitar assim a contaminação mundial. Aguardo novas postagens sobre esse tema tão importante no contexto atual!
Muito interessante essa postagem sobre a transmissão do ebola, saber como acontece facilita muito na tomada de medidas preventivas em relação a epidemia. Em uma entrevista dada ao G1, um médico brasileiro que se voluntariou a ir para a África ajudar com o ebola fez a observação que a cultura local facilita muito a propagação do vírus. Geralmente o indivíduo morre em uma fase bem sintomática, na qual os fluídos como o vômito e o sangue, responsáveis pela transmissão da doença, entram em contato com a família e amigos do falecido nos rituais fúnebres, realizado com muito contato com o corpo. Os países africanos também facilitam a transmissão porque não tem preocupação de isolar os contaminados e quem teve contado com algum contaminado, já que os sintomas só aparecem 21 dias depois. Outra coisa importante para salientar no que se refere a contaminação é o fator ambiental, pois como foi falado na própria postagem a doença pode estar em animais e eles podem contaminar o ambiente, água, frutos, por exemplo. Muito bom aprender para se proteger, aguardo novas postagens!
ResponderExcluirO esclarecimento, feito no texto, a respeito do modo de transmissão do Ebola é de grande importância para a população. Isso, porque nos dias atuais vivemos em súbito pânico sobre os perigos desse vírus. A informação dada, juntamente com a mostra do estágio em que o Ebola se encontra, nos mostra que devemos diminuir um pouco esse pânico e pensar em soluções para essa doença, que ainda está em um nível onde o controle é possível, já que a transmissão é feita apenas através de fluidos corporais. É importante visar o tratamento dos que já estão contaminados, tomando todos os devidos cuidados para evitar contato com fluidos dos mesmos. Para isso, necessita-se de higiene e condições sanitárias favoráveis. Estas ainda não são uma realidade na África e por isso tem ocorrido surtos ao longo dos anos nessa região. Portanto, é necessário que os países mais abastados deem auxílio para esses países em necessidade, algo que já devia ter sido feito há décadas. Mas já que agora finalmente esses países perceberam que esta doença também pode atingi-los, resta a esperança que eles forneçam o socorro necessário para erradicação desse mal.
ResponderExcluirNo caso da peste negra, a rápida disseminação da doença deveu-se a fatores como a falta de higiene da época, a supressão de conhecimentos médicos pela Igreja, e a comunicação facilitada no território europeu, destacando-se mesmo o abandono de corpos de doentes com o objeto de infectar inimigos em guerras. Muitas regiões da África encontram-se em situação parecida, sendo o MSF a única atuação em saúde. O post esclareceu muitas informações a respeito do ebola, comparando-o a outras doenças.
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