VIII
- A EPIDEMIA EBOLA:
GENOMA,
GLICOPROTEÍNAS E MORTE
Entenda um pouco sobre os princípios bioquímicos da
doença considerada por muitos a mais devastadora já descoberta na história da
humanidade.
“Ebola
happens to have a protein that antagonizes innate immunity, and most viruses
must have one of those, so it's not really unusual. The innate response is so
powerful that, if a virus doesn't have something to counter it, it's going to
be wiped out pretty quickly."
Vincent
Racaniello, Columbia University's Medical School
Apesar dos
receios do público, do medo mundial, e do que diz a mídia sensacionalista,
sabe-se muita coisa sobre o Ebola e suas atividades, e tal conhecimento nos diz
muito sobre as perspectivas para tratamentos e vacinas. Com um genoma
constituído por um único filamento linear de RNA, que tem cerca de 19 mil bases
de comprimento, o vírus Ebola contém apenas sete genes, a maioria dos quais
codificam proteínas que constituirão a estrutura do mesmo (Para efeito de
comparação, um vírus típico de herpes é mais de 10 vezes maior e leva mais de
35 genes). As partículas filovirais (grupo a qual faz parte o Ebola, já
discutido na postagem 1), são morfologicamente muito semelhantes às partículas
rabdovirais, sendo entretanto muito mais compridas, com uma estrutura básica
longa e filamentosa, essencialmente baciliforme, com forma de U, b ou mesmo
formas circulares, podendo atingir até 14,000 nm de comprimento, e tendo em
média 80 nm de diâmetro (Mais sobre as características já foram discutidas em
postagens anteriores).
Nesta semana, em
sequência às postagens 6 e 7, vamos mais uma vez, explorar o universo
bioquímico do vírus Ebola, e mais: Entender como sua estrutura o torna
capacitado a invadir o nosso organismo e provocar a tão temível doença.
VP35
e o Sistema Imunológico
Além do VP24, já discutido na
postagem passada, (para mais informações leia a postagem número 7), o vírus
Ebola possui outra proteína muito intrigante chamada VP35, que funciona para
ajudar o Vírus a combater a resposta imunitária do nosso organismo.
O sistema imunológico do corpo é
composto por duas partes que funcionam cooperativamente. Uma delas, a imunidade
adquirida, envolve anticorpos e outros receptores especializados que reconhecem
agentes infecciosos específicos, sendo uma das razões do funcionamento das
vacinas. Entretanto tal processo de defesa é demorado quando não se conhece o
patógeno invasor, e dessa forma, para ajudar a proteger o corpo naquele ponto
da infecção, as células contam com o chamado sistema imunológico inato, que não
é específico, mas reconhece características comuns a muitos patógenos, como
açúcares ou lipídios feitos por bactérias, e produz uma resposta tão poderosa,
que elimina um vírus muito rapidamente se o mesmo não tiver algo para
combatê-la (o comentário que inicia esta postagem se refere a este fato).
No caso do Ebola, a proteína VP35
faz várias coisas para suavizar a imunidade, ligando-se e inativando proteínas
envolvidas nesta resposta, além de bloquear o reconhecido do RNA de cadeia
dupla, que embora seja uma parte necessária na replicação dos vírus, não são
normalmente produzidos nas células humanas, constituindo, portanto, um aviso de
uma infecção viral. Segundo recentes pesquisas, o VP35 lida com sua tarefa
através de uma rota muito simples: se liga ao RNA de cadeia dupla, e o esconde
assim, do sistema imune. Em parte em consequência disso, e também em
decorrência da ação do VP 24, o sistema imune inato não desencadeia a produção
de moléculas de sinalização e defesa, e assim, o vírus pode se instalar e se
reproduzir.
A
glicoproteína Ebola e o tratamento
Outra substância extremamente
importante ao vírus Ebola é uma glicoproteína (com o "glico"
referindo-se ao fato de que é normalmente ligado aos açúcares em seu caminho
para a superfície da membrana), que o auxilia a entrar nas células. Sendo a
única parte que normalmente se estende a partir da membrana e, portanto, a principal
coisa que o sistema imunológico vê, essa glicoproteína é ligada à capacidade de
reconhecimento dos anticorpos dos pacientes que sobreviveram à infecção Ebola,
que tendo como alvo essa substância do vírus, poderia ajudar no reconhecimento
do invasor pelo sistema imunológico, além de impedir fisicamente o “engate”
sobre as células, limitando as probabilidades de novas infecções.
Por este motivo, os esforços para
desenvolver uma vacina para o vírus, e os tratamentos experimentais realizados
recentemente, têm se baseado neste princípio, com os últimos consistindo no uso
de um conjunto de anticorpos que têm como alvo a glicoproteína, e a prevenção,
em pesquisas que consistem em produzir algo que possa expor esta glicoproteína
ao sistema de defesa do corpo humano, usando-se de proteínas ou vírus
inofensivos.
Há evidências de que a
glicoproteína é o que realmente mata as células, por atuar no bloqueio das mesmas, impedindo-as de colocar novas proteínas na sua superfície, o
que acarreta uma perda de contato com as células vizinhas, e limita a
capacidade de informar o sistema imune sobre o que está acontecendo.
Outros estudos sugerem que este
efeito é dependente do nível de quantidade dessa substância, que só atuaria
dessa forma, em quantidades elevadas no organismo.
Visão
aprofundada dos sintomas
Como já foi discutido nesta
postagem e em textos passados, o vírus Ebola ataca inicialmente as células
imunitárias, que em consequência disso, podem começar a expressar moléculas de
sinalização imune de forma indiscriminada, levando à febre e mal-estar que são
alguns dos primeiros sintomas da infecção. Outro problema causado pela infecção
destas células é que eles são móveis, e a medida que atravessam a corrente
sanguínea, têm o potencial de espalhar a infecção para novos locais, ajudando a
transição do vírus, e na infecção das células endoteliais (que revestem os
vasos sanguíneos), e são os alvos favoritos do Ebola. Assim que o vírus ataca
as células das paredes dos vasos, os mesmos perdem sua integridade e começam a
vazar, resultando nos sintomas clássicos das febres hemorrágicas: como a
acumulação de fluidos derramados dos vasos sanguíneos (Edemas), hemorragias,
além da ação descontrolada dos macrófagos infectados, que podem, por sua vez,
agravar ainda mais a situação.
Conclusão
Entender o modo de ação do vírus
Ebola é uma grande base no que diz respeito as pesquisas em busca de um
tratamento mais eficaz e que possa erradicar a epidemia que aflige atualmente o
mundo, como foi visto na postagem passada, e reiterado nesta, na medida em que
a descoberta das glicoproteínas do Ebola e a sua relação com os anticorpos dos
pacientes curados, abrem as portas para a produção de vacinas e hipóteses para
tratamentos.
Sobre a “visão aprofundada dos
sintomas” apresentada acima, é importante ressaltar que embora os efeitos mais
cruéis e característicos do Ebola, decorram dos problemas que este vírus
provoca nos sistemas circulatório e do sistema imunológico, que o
direcionamento generalizado de células, acaba levando o mesmo a afetar diversos
outros tecidos, e provocar, como já vimos anteriormente, os mais variados
sintomas, e a consequente morte, caso a doença não receba tratamento adequado.
Em
breve...
Sobre o
Ebola, muitas perguntas podem surgir:
O que é
MSF e quais os riscos dos profissionais da saúde que trabalham com o Ebola? É
possível a cura total? Tem Ebola no Brasil? O Ebola seria um grandioso
embuste? Qual a Bioquímica
do Ebola?
Esses são
alguns dos assuntos que serão trabalhados nas próximas semanas.
Até.
Referências:
<http://evunix.uevora.pt/~sinogas/TRABALHOS/2000/virol00_Ebola.htm>
Acesso em 22 de novembro de 2014.
<http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2014/08/1507520-sequenciamento-do-genoma-do-ebola-revela-como-virus-cruzou-fronteira.shtml> Acesso em 21 de novembro de 2014.
<http://arstechnica.com/science/2014/11/understanding-the-ebola-virus/>
Acesso em 21 de novembro de 2014.
"(...) também em decorrência da ação do VP 24, o sistema imune inato não desencadeia a produção de moléculas de sinalização e defesa(...)". É válido relembrar que tais moléculas de sinalização e defesa são as chamadas interferonas, ("a responsável por várias respostas imunes a infecções virais, incluindo a autodestruição de células infectadas e o bloqueio do abastecimento necessário para a reprodução viral"), que já foram inclusive mostradas em postagens anteriores do blog. Achei bastante interessante saber mais sobre os mecanismos de atuação do vírus, principalmente a relação com a glicoproteína em sua superfície, já que esse se demonstra ser um caminho viável para o desenvolvimento de fármacos e vacinas contra tal vírus, e pode simbolizar um novo horizonte para os países africanos afligidos pelo Ebola.
ResponderExcluirFontes: http://arstechnica.com/science/2014/11/understanding-the-ebola-virus/
Excluirhttp://www.infoescola.com/sistema-imunologico/interferon/
Pesquisadores da Iowa State University descobriram como o vírus ebola age nas células para matá-las. Uma equipe liderada por Gaya Amarasinghe, professor assistentente de bioquímica, biofísica e biologia molecular da Iowa State University, já havia conseguido identificar a estrutura de uma parte crítica da proteína VP35, envolvida na imunossupressão – processo pelo qual o organismo reage menos à invasão de algum corpo estranho. Agora, eles sabem como ela atua.
ResponderExcluirQuando a maioria dos vírus invade uma célula, eles começam a criar RNA para replicação. A célula hospedeira, percebendo a invasão, começa a ativar defesas antivirais para a replicação parar, ajudando o corpo a se livrar da infecção.
Amarasinghe e sua equipe descobriram que o vírus ebola mascara a replicação do RNA, fazendo com que a célula hospedeira não reconheça o intruso. Uma das razões pela qual a cepa do vírus proveniente do Zaire é tão mortal é que as células do hospedeiro não dão resposta imunológica quanto é invadida. A pesquisa em questão conseguiu descrever a proteína RNA de forma complexa, pelo uso de uma proteína VP35 não-infecciosa.
http://ciencia.estadao.com.br/blogs/ciencia-diaria/virus-ebola-mascara-invasao-e-replicacao-impedindo-resposta-do-organismo/
Cinquenta e oito cientistas liderados pelos pesquisadores Stephen Gire e Pardis Sabeti, da Universidade de Harvard, publicaram na revista Science o sequenciamento genético de 99 amostras do vírus ebola. Para realizar o feito, a equipe internacional analisou 78 pacientes (alguns foram examinados mais de uma vez) da epidemia. Foram encontradas 395 mutações que tornam essa variedade de ebola diferente da encontrada nos anos 1990 e 2000. O mapeamento do DNA pode fornecer informações sobre como melhorar o processo de diagnóstico e guiar cientistas na busca por um tratamento ou vacina.
ResponderExcluirFONTE
http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2014/08/1507520-sequenciamento-do-genoma-do-ebola-revela-como-virus-cruzou-fronteira.shtml
É muito importante descobrimos como é o funcionamento do vírus Ebola, haja vista é a partir dai que se tem como fazer pesquisas para encontrar medicamentos e vacinas para combater esse vírus mortal. Em pesquisar recentes, alguns pesquisadores descobriram que uma parte de uma proteína que existe na superfície do vírus, chamada glicoproteína, é a que leva a uma intensa hemorragia nos doentes. Em tubos de ensaio, uma parte da proteína destruiu as células do endotélio. Numa outra experiência, vasos sanguíneos isolados começaram a vazar quando expostos à substância. Os cientistas também constataram que uma outra parte da glicoproteína tinha efeito tóxico sobre as células já infectadas. Dessa forma, eles verificaram que a função da proteína é dupla: atacar especificamente as células do endotélio e matá-las quando elas tiveram produzido glicoproteína suficiente, sob comando do vírus Ebola. Logo, como disse e como foi mostrado no post o ‘mal ‘do Ebola está na glicoproteína deste vírus!!
ResponderExcluirUm grupo de cientistas do Instituto de Pesquisa Scripps, na Califórnia, acaba de obter dados detalhados sobre as ferramentas moleculares usadas pelo vírus Ebola para abordar e invadir as células humanas. Os pesquisadores conseguiram imagens da estrutura tridimensional dessas armas do vírus, o que pode ser uma mão na roda para encontrar maneiras de impedir sua ação letal. A pesquisa, coordenada por Jeffrey E. Lee e Erica Ollman Saphire, do Departamento de Imunologia e Ciência Microbiana do Instituto Scripps, está na edição desta semana da prestigiosa revista científica britânica 'Nature'. O alvo de Lee, Saphire e companhia era duplo: duas glicoproteínas (proteínas cuja estrutura molecular tem uma 'adição' de açúcar, por assim), a GP1 e a GP2, que são essenciais para a replicação do vírus. As glicoproteínas agem em conjunto, como se fossem a combinação de uma supercola e uma furadeira. A GP1 confere ao vírus a capacidade de grudar nas células humanas, enquanto a GP2 efetua a fusão entre a membrana do vírus e a membrana da célula invadida. Com isso, o parasita é contrabandeado para o interior da estrutura celular e ganha sinal verde para se replicar. E o faz com avidez: a multiplicação viral descontrolada costuma levar à falência múltipla de órgãos nos pacientes, de forma que eles morrem entre seis e nove dias após o aparecimento dos sintomas.
ResponderExcluirhttp://www.orm.com.br/plantao/imprimir.asp?id_noticia=354844
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ResponderExcluirConhecendo esses mecanismos apresentados pela postagem, pode-se esperar uma solução não muito longe dessa epidemia. Epidemia essa que já matou 5689 das 15.935 pessoas infectadas, de acordo com o mais recente balanço divulgado nesta quarta-feira pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de acordo com a agência AFP. É o pior surto de sempre deste vírus que foi identificado pela primeira vez em 1976. Na Serra Leoa, que a par com a Guiné-Conacri e a Libéria são os países mais afectados pela epidemia, o surto “tende a crescer” com 385 novos casos confirmados em apenas uma semana, cita a AFP.
ResponderExcluirCinquenta e oito cientistas liderados pelos pesquisadores Stephen Gire e Pardis Sabeti, da Universidade de Harvard, publicaram na revista Science o sequenciamento genético de 99 amostras do vírus ebola. Para realizar o feito, a equipe internacional analisou 78 pacientes (alguns foram examinados mais de uma vez) da epidemia. Foram encontradas 395 mutações que tornam essa variedade de ebola diferente da encontrada nos anos 1990 e 2000. O mapeamento do DNA pode fornecer informações sobre como melhorar o processo de diagnóstico e guiar cientistas na busca por um tratamento ou vacina.
ResponderExcluirAté o final do mês de agosto, a doença viral já havia contaminado mais de 3 mil pessoas na Libéria, Serra Leoa e Guiné (os três casos da Nigéria foram de pessoas que contraíram a doença em Serra Leoa), das quais 1552 haviam morrido. Dentre os pesquisadores que participaram do estudo, cinco acabaram contaminados e morreram. Os genomas utilizados pelos cientistas para o sequenciamento haviam sido neutralizados, mas ainda assim foram usados aparatos de segurança.
A análise genética indica que a atual epidemia de ebola foi iniciada com uma única pessoa infectada e, como o vírus sofre mutações de um paciente para o outro, é possível entender como a doença se alastrou. Em Serra Leoa, a epidemia chegou por meio de uma mulher que contraiu o vírus em um funeral de um sacerdote na Guiné. Nesse país, o Instituto Pasteur identificou o paciente-zero como um menino que foi contaminado de maneira desconhecida.
http://cib.org.br/em-dia-com-a-ciencia/cientistas-sequenciam-genoma-do-virus-ebola/